Por exemplo, o fariseu de pé, bem junto a um lugar de destaque, para ser visto pelos homens, orava assim: "Ó Deus, graças Te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como esse publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou o dízimo de tudo quanto possuo." Jesus não diz que esse fariseu estava mentindo. Ê de crer que ele não era ladrão, nem injusto nem adúltero. Dizia a verdade também quanto ao seu jejum e sua destacada fidelidade no dízimo. Sua oração, porém, não agradou a Deus. O fariseu era homem de justiça própria, sentia-se cheio de si e de nada precisava. As palavras da oração mostram o conceito que fazia de si mesmo. Notemos também que para justificar sua pretendida "santidade", traçou diante de Deus a comparação entre ele e o publicano. Gloriava-se diante do Criador de que não era publicano, criaturas desprezíveis e desprezadas para eles fariseus, consideradas "vomitadas" por Deus, cheias de pecado. Ele, fariseu, era santo e sem pecado. A prática exterior da religião era o suficiente, embora a crítica livre aos demais membros de sua raça, desclassificados pelo conceito da comparação, não pesasse sobre sua alma como pecado.
Atrás dele, o publicano, humilde e reverente, não ousando levantar os olhos, batendo no peito contrito, dizia: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador." Ele se reconhecia miserável pecador. Seu pecado estava sempre diante dele e a luta entre a carne e o Espírito estampava-se-lhe no rosto. Humilde, suplicava a misericórdia divina, ansiava pelo perdão e a mudança do coração pecaminoso e rebelde. Não era santo, nem puro, nem procurava justificar seus maus atos, mas queria a força divina para lutar e vencer as tendências pecaminosas da alma, almejando a salvação. Por isso um só era seu clamor ao Deus justo e santo: "Tem misericórdia de mim, pecador."
A sentença de Jesus aos homens da parábola foi favorável a este último: "Digo-vos que este foi justificado para sua casa e não aquele." Conquanto os judeus deixaram há muito de existir como nação, o espírito farisaico ainda sobrevive e, infelizmente, nestes últimos dias, entre homens e mulheres que usam o significativo termo denominacional de Adventista. Centenas deles separaram-se da organização por considerarem-se mais santos e mais puros que seus irmãos de fé. Pretendiam alcançar a escala da perfeição e santidade o mais cedo possível, mas a fraqueza e defeito de caráter de seus irmãos era lhes empecilho. Que fazer? "Sai dela", foi o grito dos mais extremistas, revertendo o clamor do anjo de Apoc. 18:4 contra a própria organização encarregada de proclamá-lo. Enganados, pois, por um falso clamor, seduzidos pela índole separatista de sua pretensa "santidade", interpretando as palavras de Deus sob o prisma do seu modo de ver e julgar e, muitos, guiados pelo interesse despertado pela novidade, deixaram a organização, formando pequenos grupos facciosos, cada qual pretendendo ter a verdade plena e a presença de Deus. Não resta dúvida que, aos olhos dos entendidos, estes grupos esparsos representam uma linda vitória de Satanás. Ele sabe também "que na união há força e na divisão há fraqueza", e por isso, como sua ira não é contra estes pobres incautos separatistas mas contra a obra organizada, ele forçará ainda a muitos a se deixarem levar por esses sentimentos. Hábil, astuto e experimentado, ele sabe tocar a corda sensível de certas criaturas propensas ao extremismo e fanatismo, usando-as depois como trunfos contra seus ex-irmãos.
O que é mais interessante é o espírito demonstrado pelos chamados "reformistas". Estes formam muitas classes, cada qual com a sua característica. Saíram de nós, queixando-se de tudo e contra tudo murmurando, em demanda da "santificação", mas todas, paradoxalmente unidas em acusar e atacar a igreja que deixaram. Várias delas usam os "Testemunhos" e chegam quase a decorá-los, rebuscando página por página, trecho por trecho e linha por linha, onde possam encontrar alguma coisa com que atacar e acusar. Tudo quanto a mensageira do Senhor, pelo Espírito Santo, trouxe em forma de repreensão e advertência, é usado por eles inescrupulosamente, para condenar. Passam por cima, todavia, a muitos trechos que condenam a separação, a falsa santidade, o espírito de crítica e de julgar. Ousam conviver com os membros da igreja que deixaram, com o hipócrita cuidado de espiar o que comem, como se vestem e o que dizem, para terem de que os acusar, caso falhe a catequese da separação. Se aceitam, são "santos", e se rejeitam são as vítimas de sua crítica, apontadas como exemplo e referência nas acusações. Medem a religião e a fé pelo comprimento das mangas dos vestidos e das saias das irmãs. Pesam a espiritualidade pela qualidade de alimentos que ingerem. E por que agem nessa questão de vestir e comer até às raias do absurdo, creem que toda a santidade reside nisso. Depois, audaciosamente, ao encontrar nossos irmãos, dizem: "Eu não tenho pecado! Aponte-me pecado! Sou santo!" Este espírito de justiça própria passa a todos os adeptos "reformistas". Infeliz daquele que é santo a seus próprios olhos!
Quando trabalhava na Bahia, em 1937, apareceu um desses santos de longas e bem cheirosas barbas, pregando que nenhum homem entraria no céu a menos que andasse de barbas cá na terra. O vestuário feminino constava de saias até os tornozelos e as mangas até o pulso. O ósculo santo era obrigatório. Pudessem ou não, o alimento seria vegetal, sob pena de eliminação. E com voz tonitroante, com os "Testemunhos" em punho, dardejava os raios de sua ira contra a igreja adventista, acoimando-a com termos usados para a Babilônia caída. E gritava: "Apontem-me pecado!" De então para cá seus adeptos não passam de uma dezena e sua doutrina mudou de aspecto e cor meia dúzia de vezes. Hoje vive numa linda cidade nordestina, com a terceira mulher, abandonando as outras duas. Mas ainda afirma que a poligamia é permitida em certos casos e que, neste tocante, ainda está sem pecado. Um de seus adeptos achou que o mestre estava errado em aparar as pontas da barba e do cabelo e vagueia pelas cidades com uma barba que lhe vai até à cintura e do outro lado os cabelos se emaranham com a barba, de tão longos. Por irrisão denominam-se "adventistas."
É certo que sem santidade não entraremos no céu. Heb. 12:14. Mas esta não se adquire num dia, ou num retiro conventual. Para obtê-la não é preciso separar-se dos irmãos "impuros". É no meio do pântano que o alvo lírio aparece, para contrastar a impureza que o circunda. E quem nos deu o direito de julgar o grau de espiritualidade latente nos outros? Não seremos santos e perfeitos porque o apregoemos aos ventos, mas porque toda nossa vida fala alto da vitória sobre o pecado que de perto nos rodeia e sobre todos os defeitos de caráter. É uma luta tremenda, que se obtém sobre os joelhos e pela experiência. Não é formando igrejas de puros e santos, separando o trigo do joio pelo simples julgar de alguém, que realmente possamos contar que somos santos. Não, "o trigo e o joio devem crescer juntos até a ceifa".
É olhando às fraquezas alheias que podemos compreender as nossas e, lutando contra as nossas, aprenderemos a ajudar os outros a vencer as suas. O que se separa nega-se a ajudar os outros e egoisticamente quer usufruir sozinho sua santidade. Entretanto, saibam eles que criticar e julgar os outros são pecados que não ficarão impunes. O farisaísmo não será justificado no céu, pois a sua principal característica é a hipocrisia. Prefiro mil vezes estar entre nossos irmãos fracos e defeituosos e tentar auxiliá-los para auxiliar-me a mim mesmo, a estar numa igreja que pretenda só ter em seu grêmio santos e perfeitos. "Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós que sois espirituais, encaminhai o tal num espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado. Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo." Gál. 6:1, 2.
Por Oscar Castellani
Fonte: Revista Adventista de setembro de 1945
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